Na história da humanidade, bem sabemos que é a primeira vez que todos somos impactados, direta ou indiretamente, pela pandemia, e hoje nominada pelos cientistas de Coronavirus Covid 19. Outras semelhantes houveram, a exemplo da gripe espanhola no período 1918-1919 e da última mais recente a H1N1, contudo sem atingirem todo o planeta Terra. E segundo aquela conhecida citação gaúcha ‘’onde passa boi, passa boiada’’, essa situação enseja prever que, de ora em diante, haverá situações semelhantes repetidas. Então, para os tempos que virão, o bom senso ensina que dever-se-á ter novas atitudes, pela aprendizagem daquele pelo qual passamos. Bem disse Émerson, ‘’a primeira lição da história, é o bem que existe no mal. O bem é um bom médico, mas às vezes o mal é o melhor. Plutarco afirma que as guerras mais cruéis que seguiram à marcha de Alexandre introduziram a civilidade, a linguagem e as artes da Grécia nas sociedades selvagens do Leste; introduziram o casamento; construíram setenta cidades e uniram nações hostis sob um governo único’’ (*1).
Algo que estamos aprendendo, agora, enquanto estamos no meio desta crise e já na antevisão de uma possível futura, provavelmente seja a noção de economia, ou para ser mais exato, de poupança, de guardar dinheiro. Pela dificuldade por que se passa, se percebe a importância capital de deixar de depender de outras pessoas, do incômodo de realizar empréstimos familiares, ou realizar venda de ativos aquém do real preço do bem, uma compra fiada, ou ainda solicitar dinheiro de bancos, cartões de crédito, financeiras. Sim, o abundantemente dinheiro oferecido nas principais avenidas e publicizado em todas as mídias possíveis, até nos postes de energia elétrica, bem como aquela tentadora promoção de férias pagas em suaves 18 prestações, saber-se-á (somente àqueles verdadeiramente cônscios) necessária e dolorosamente deixada ao largo, na previsão de que outras crises que advirão. Contudo, e especialmente nesta pandemia, uma questão deve ser observada, porque entendemos que houve um afastamento do conceito originário da palavra dinheiro, e da correta administração da moeda: algum tempo atrás o dinheiro era escasso, e por isso mesmo, caro, e se pagava em dinheiro sonante, cash; e hoje, quando mais se necessita dele, justamente na pior crise econômica da história brasileira, o dinheiro agora é doado, como auxílio-esmola, e recebido virtualmente em caixas eletrônicos. Porque o homem é como São Tomé, necessita ver para crer, não é de se admirar que se pode imaginar uma situação diferente, no futuro, onde a economia dos indivíduos deixará de prioritária, para ser secundária, pois se ensinou a ‘’não ver a cor do dinheiro’’, e que o Estado estará presente resolvendo as questões econômicas das pessoas, mesmo que hoje já tenha dado os seus primeiros passos oferecendo salário-desemprego, SUS, bolsa-família, PROUNI, vale-transporte.
Outra situação que se acentuou e acreditamos se solidificará pós-pandemia, é o individualismo, a consolidação de que o social e o comunitário ao conjunto de pessoas deixará de ser importante. Com a internet e o telefone à disposição, e com uma migalha dada pelo governo e até com a suspensão legal de compromissos particulares de pagamento, porque se reunir para reivindicar melhorias? Soma-se a isto, a notória proibição de que, em qualquer lugar onde possa haver qualquer tipo de ajuntamento de pessoas devidamente organizado, podendo ser estádio de futebol, igrejas, shoppings, parques temáticos, escolas, estes lugares estão proibidos de ser acessados; e notamos que, quando alguns se atreveram a deixar de cumprir o mandamento, a polícia invadiu, prendeu e fichou todos, tudo registrado de públicos olhos . Qual a mensagem subliminar que passa? Que o coletivo traz doença e, se aumenta o risco, a adesão ao ‘’fique em casa’’ será de ora em diante o mantra das pessoas. Fique em casa!
Natural e fisicamente somos muito mais receptivos do que emissores de mensagens. Ao passo que vivemos a maior liberdade de expressão da história brasileira pela internet, hoje ainda livre, existindo agora movimentos no Congresso Nacional para censurá-la, convivemos com um dos maiores anti-movimentos brasileiros, mais conhecido pela palavra ”passividade”, uma consequência deste individualismo, e que se exacerbou com a pandemia, e acreditamos perdurará após ela. Se cada um tem a maravilhosa possibilidade de se manifestar na palma de sua mão e ao alcance dos dedos, através de um diminuto aparelho telefone celular, e até tendo à disposição um determinado público recepcionador de uma mensagem escrita, gravada ou filmada, além de poder encontrar qualquer que seja em praticamente no lugar mais escondido da face da terra, o lógico também seria utilizar as espetaculares condições realizando decisivas ações para a melhoria do local, tanto do emissor da mensagem, quanto motivando aquele que a recebe. Mas não é o que acontece. Lógico que atualmente existem movimentos sociais que vão para a avenida reclamar pautas, mas considerando o número total de brasileiros que dispõem, a baixíssimo custo, de uma câmera de televisão e de um jornal online para denunciar arbitrariedades ou propor ativismos, algo inédito na história da humanidade, o contraditório é que os assuntos mais comentados das pessoas são temas menores, tipo big brother, fofocas, conhecer-futricar-bisbilhotar as postagens/publicações das pessoas. Daí nos socorremos da futuridade de Ortega Y Gasset, quando nos idos de 1930, já esclarecia a questão, ao nos apresentar o homem-massa, ‘’O homem-massa é o homem cuja vida carece de projetos e anda à deriva. Por isso não constrói nada, ainda que suas possibilidades, seus poderes, sejam enormes. É esse tipo de homem quem decide em nosso tempo’’ (*2) e ‘’Quem não for como todo o mundo, quem não pensar como todo o mundo, corre o perigo de ser eliminado’’ (*3)
Introduzimos o texto com a afirmação de Plutarco, dizendo que ‘’a primeira lição da história, é o bem que existe no mal’’. Contudo, daí nos perguntamos, se pode haver um bem a ser apreendido no meio desta pandemia, se as pessoas se encontram no gostoso individualismo de seus lares ou na passividade oceânica de uma massa inerte e no consumo do dinheiro que sequer se enxerga? São previsões do futuro que nos angustiam e a pandemia tão somente serviu de laboratório de teste para futuras situações de maneio. Previsões sombrias.
Luiz Pfluck – professor e diretor
(*1) Emerson, Ralph Waldo. A conduta da vida. Campinas : Ed. Auster, 2019, pág. 189
(*2) Ortega Y Gasset, José. A rebelião das massas. Campinas, SP: Vide Editorial, 2016, pág. 119
(*3) Ortega Y Gasset, José. A rebelião das massas. Campinas, SP: Vide Editorial, 2016, pág. 85
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