Estamos vivendo a época da pandemia, um fato histórico na história da humanidade, e para todos nós, e que a vivenciamos na pele, tem deixado marcas que não vamos esquecer: máscaras no rosto, telejornais funerários, prisões de pessoas que descumprem as regras de isolamento, perda de emprego e postos de trabalho, perda do padrão de vida das pessoas, etc, etc. Estas situações são apenas umas das tantas que estão prejudicando, atrapalhando ou entristecendo os brasileiros, condição que sequer algum almejava.
Sem falar da pandemia, que hoje já apresenta com um grande problema a ser ultrapassado, das mortes, da lotação dos hospitais, do heroico trabalho de médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, motoristas de ambulâncias e tantas outras categorias que permanecem trabalhando, do aumento vertiginoso da dívida pública federal para poder pagar o coronavoucher ou auxílio emergencial para milhões de brasileiros, tem-se mais um outro a gerenciar: a falta de atenção aos pedidos das autoridades para o isolamento horizontal ou para o ficar em casa por boa parte da sociedade.
E a respeito deste pedido, existem hoje dois movimentos antagônicos, em plena crise, disputando forças e atenção da população a respeito. Um que fala ‘’Fique em casa!’’, isolamento horizontal das pessoas, lockdown, ranking de mortos, medo, pico da pandemia; outro de isolamento vertical, hidroxicloroquina, proteção somente dos mais vulneráveis, morte de empresas e perda do emprego e trabalho; e enquanto as autoridades determinam para que se fique em casa e se realize o isolamento, metade da população faz exatamente o contrário, indo para praças, circulando pela cidade; na periferia, em muitos casos, a vida transcorre normalmente. O que podemos depreender disto?
As autoridades, e que administram o combate da crise, se expressam mais frequentemente pelas mídias tradicionais, nos apresentando duas respostas sobre a pandemia: falam verdades ou, no outro espectro, estão mentindo, e neste meio publicam meias verdades, com dados incompletos e/ou politicamente tendenciosos. Rapidamente, pois, analisemos estes dois casos:
– se estão falando verdades a respeito da pandemia, então o povo brasileiro é, em sua maioria, desobediente e sequer está preocupado com as vidas; a vida é um aspecto menos importante; o povo brasileiro não se importa em morrer;
– se estão mentindo ou falando meias verdades, pode ser que deixem de existir respostas para as perguntas óbvias, como por exemplo: o confinamento ou ‘’fique em casa’’ é a mesma coisa que a circulação do vírus em ambiente fechado, e todos respirando o mesmo ar; se há perigo de colapso no atendimento aos necessitados, como explicar o número de demissões em hospitais em plena crise; e aqui no RS, sabendo-se que a cada inverno tem-se os hospitais lotados, como argumentar a crise de colapso, quando deixou de haver pesados investimentos no setor.
A partir destas premissas, talvez se possa concluir o seguinte: se as autoridades falassem a verdade, a adesão seria muito maior aos seus pedidos, já que as informações que circulam nas mídias sociais – a grande nova força na comunicação e mobilização entre as pessoas -, quando confrontadas com aquelas das autoridades públicas, imediatamente coincidiriam, e ambas somariam forças ao combate do coronavírus. Como o conceito de credibilidade destas autoridades, nos últimos anos, está chamuscado, e as mídias sociais muitas vezes desmentem informações públicas ou até trazem outras que sequer se perceberia na mídia tradicional, se possa compreender a desobediência civil.
Então, entre ficar em casa ou desobedecer as autoridades, e porque é uma questão essencialmente individual, você deve decidir entre as duas situações abaixo. Decida-se!
‘’Nasrudin encontrou a Peste na estrada e perguntou: – Aonde vais, malvada? A Peste respondeu-lhe: — A Bagdá, matar dez mil pessoas. Depois de um tempo, a Peste voltou a encontrar-se com Nasrudin. Muito zangado, o mulá disse-lhe: – Mentiste-me. Disseste que matarias dez mil pessoas e mataste cem mil. A Peste respondeu-lhe: – Eu não menti, matei dez mil. O resto morreu de medo’’ – conto da tradição sufi.
‘’Objetivos elevados curam, como a arnica. Diz Goethe: ‘’Napoleão visitou os doentes da peste para provar que o homem que puder vencer o temor, poderá também vencer a peste; e ele estava certo. É inacreditável a força que tem o desejo nesses casos: ela penetra o corpo e o coloca em atividade, o que afasta efeitos malignos, enquanto que o medo os convida’’ – Émerson (*).
Luiz Pfluck – professor e diretor
(*) Emerson, Ralph Waldo. A conduta da vida. Campinas, SP: Ed. Auster, 2019, pág. 173
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