Desde 19 de março de 2020, a Instituição de Ensino São Marcos se encontra silenciosa. Decretada a proibição de aulas presenciais, em decorrência da pandemia Coronavirus Covid 19, o silêncio é um barulho pesado para aqueles que devem mantê-la em básico funcionamento: a algazarra inexistente dos alunos no intervalo agora traz passarinhos de vários tipos ao pátio solitário, inclusive até ouvindo-se um casal de pica-paus na sua matraca contra galhos ocos das árvores; a voz do professor, antes soberana, tem sido substituída pelo silêncio barulhento na memória daqueles que aqui se encontram; no ginásio, a cancha e os arquibancadas recebendo cocô de pardais; os computadores parados, a biblioteca sem visitação, as salas de aula silentes, até as árvores do último temporal do pátio caíram, sem ter visto aqueles que por sua sombra muito se esgueiravam nos dias de calor. E naquelas tardes de chuva, parece que a tristeza toma conta, e trabalhar por aqui, nesta pandemia, a experiência não é boa. Agora, no inverno, tudo parece mais gélido sem o calor e alegria dos estudantes.
E dela, da pandemia, sofremos todos, e necessariamente precisamos reagir. E a reação dependerá do nosso espírito positivo (ou não) ao enfrentamento. Qual poderia ser, então, o nosso perfil ou a química ao desafio que hoje vivemos?
A primeira possibilidade – e como somos pessoas diferentes umas das outras, cada um agindo e reagindo dessemelhante aos impulsos que recebe – é considerar a reação passiva à pandemia. Passiva é a pessoa que, na necessidade de resolver uma dificuldade ou ultrapassar uma meta qualquer, percebe-se que é um ‘’peso morto’’, quando deve-se ser empurrada, carregada, puxada. É aquele entulho que se prende à roda da carroça, e atravanca a sua velocidade. Vamos, então, nominá-la de barro vermelho.
O segundo tipo de pessoa reagente à ocorrência da crise, e para melhor compreender este tipo, agirá quando inquerida, criticada, provocada, intimada, e somente daí iniciará a enfrentar uma determinada questão. Ela é reativa. E como figura de linguagem, aqui identificamos este ser como o ferrão da abelha.
O terceiro modo de reação à crise pandêmica, podemos entender como aquele que trabalha normalmente as 08 horas diárias, atende as suas obrigações, entra e sai dos lugares normalmente, é frequente e previdente em suas manifestações, bate o cartão, é ativo, e vai para casa quando concluído o expediente. Em contrapartida, é exigente com seus direitos. A imparcialidade é uma outra característica que se destaca. O relógio, então, o pode caracterizar.
Por último, temos a pessoa pró-ativa, que ultrapassa as barreiras, inovadora, que ‘’pega junto’’ e se supera para a resolução do caso. Quando surge uma dificuldade, não reclama e, em silêncio, tenta resolvê-la. Procura trazer soluções e se encarrega de liderar algumas delas. É prestativo. Pessoa que é procurada e paga a peso de ouro pelas organizações de trabalho. Na natureza, não existe animal pró-ativo, muito menos uma arte ou artifício criado apresenta com estas qualidades, nem computador, qualidade que se encontra unicamente no ser humano.
Entre o ambiente silencioso, sem a vida emanada dos alunos pelo ambiente da São Marcos, decorrente desta crise mundial, e os quatro tipos de reagentes a qualquer demanda, onde poderíamos encontrar uma ponte ou um elo de ligação entre estes dois conceitos tão diferentes?
O que é perfeitamente possível entre os dois entendimentos, tanto aqui na Instituição de Ensino São Marcos, quanto cada um individualmente, é saber aproveitar estes momentos de forçado e pesaroso silêncio, e pensar como compreenderemos melhor os impactos que recebemos do mundo exterior, bem como logo a seguir, repensar como o devolveremos melhor. Esta pandemia, esta doença, atingiu direta ou indiretamente a todos nós e quando estamos doentes, obriga-nos a realizar uma parada nesta correria, quando daí, forçosamente, pensamos na vida. Antes, sequer isto seria possível. O padre Sertillanges esclarece também: ‘’O retiro é o laboratório do espírito; a solidão interior e o silêncio são as suas asas. Todas as grandes obras foram criadas no deserto, inclusive a redenção do mundo. Profetas, apóstolos, pregadores, mártires, pioneiros da ciência, inspirados de todas as artes, simplismo homens, ou o Homem-Deus, pagaram seu tributo ao isolamento, à vida silenciosa, à noite’’ (*).
Que, pois, neste período de crise da saúde e de economia, o processo de fermentação das nossas reações químicas seja intenso, depurador e seletivo, prenúncio de uma qualidade maior ao recomeço da normalidade da vida, além de, inclusive, quando retornarmos, nos lembrar de permitir escutar o batuque cadenciado dos nossos pica-paus.
Luiz Pfluck – professor e diretor
(*) Sertillantes, A. D. A vida intelectual. Campinas, SP: Ed. Kirion/CEDET, 2019, pág. 60.