O dia 19 de Abril, já há algumas décadas, têm sido destinado para homenagear os povos autóctones indígenas. Nessa data, o Brasil e vários outros países do continente americano rememoram a existência e o modo de vida particular dos primeiros habitantes do continente que se convencionou batizar de América.
Sendo os habitantes primitivos do Brasil, é impossível negar a importância dos índios na formação da identidade brasileira. O brasileiro é fruto de uma miscigenação étnica, onde destacamos o núcleo forte dessa miscigenação ainda no período colonial, a fusão entre o homem branco português, o negro escravo africano extraído de seu continente, e o nativo indígena conhecido no período colonial como o “negro da terra”.
O dezenove de Abril, dia do índio, faz referência a data do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano realizado em 1940 no México. Formado por lideranças indígenas de várias etnias, o congresso tinha como pauta principal, o debate a respeito da situação social dos índios após vários séculos de colonização europeia. A colonização em si, é um assunto bem contraditório. Fato é que, no dia 22 de Abril do ano de 1500, os portugueses chegaram ao Brasil e entraram em contato com pessoas da sua mesma espécie humana, mas que concebiam a sua existência de uma forma extremamente diferente. Diferente? Sim. Os índios andavam, e ainda hoje, em algumas tribos andam desnudos. Para o europeu, dito defensor da moral judaico-cristã, tal prática era inaceitável. Afirmam alguns teólogos que a maior humilhação imposta a Cristo antes da crucificação foi despi-lo de suas vestes, deixando-o praticamente nu, para ser açoitado por seus algozes. A prática politeísta dos indígenas era inaceitável para a filosofia monoteísta cristã europeia. Nesse sentido, os missionários jesuítas encontraram uma árdua seara na América. Aos índios restaram duas alternativas: resistir ou se sujeitar ao processo de aculturação. A resistência implicava em combater um inimigo com armas muito superiores. Além da pólvora, os europeus desembarcaram no continente americano trazendo consigo, mesmo que de forma inconsciente, uma vasta quantidade de armas biológicas, potencialmente nocivas para os habitantes de uma América ainda desconexa do chamado “Velho Mundo”. As epidemias propagadas com a chegada do europeu dizimaram mais índios que os disparos de trabuco. Em suma, a chegada do europeu ao continente americano colocou em contato dois modos muito opostos de se compreender a vida.
Mediante a aproximação cultural, é praticamente incontestável afirmar que o modo de vida europeu prevaleceu. Os índios não tinham noção de propriedade privada, pertencimento a um determinado país, exploração de forma predatória dos recursos naturais com o objetivo de acumular riquezas. Enfim, o estilo de vida europeu foi imposto aos índios. Cabe destacar que a língua oficial dos países americanos é uma herança do período colonial. Uma breve análise da América do Sul nos revela um Brasil com o português institucionalizado por força de lei como idioma oficial. Rodeado por países de língua espanhola, fazendo fronteira ao Norte com Suriname de língua holandesa, com a Guiana Francesa, e, ainda com a Guiana de língua inglesa. A constatação, bem superficial, desta situação provoca a pergunta: onde foi parar a língua dos primeiros habitantes da América? Onde foi parar a cultura indígena? É nesse sentido que surgiu o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, expressando uma grande preocupação com a manutenção da cultura indígena. Nessa esteira, em 1943, o então presidente brasileiro Getúlio Vargas criou através de um decreto-lei o Dia do Índio no Brasil. Um dia do índio, é suficiente para que as gerações posteriores conheçam a cultura dos primeiros habitantes da América?
Mesmo de forma despercebida, a cultura indígena é muito presente em nosso cotidiano. O hábito de sorver chimarrão em rodas, prática característica da cultura gaúcha, é um legado dos índios. Para se obter um bom descanso no litoral é imprescindível uma boa rede para se balançar e esquecer a correria do dia a dia. Todas as vezes que desfrutar desse mecanismo sublime, lembre-se sem medo de errar dos primeiros habitantes da América. Aquele bom banho, prática de higiene habitual, não foi trazido à América pelo colonizador, pelo contrário, eles aprenderam com os índios que essa prática também faz parte do processo de civilidade. Na culinária, os índios americanos prestaram um grande serviço à humanidade, domesticando a mandioca, o milho, o tomate, a batata, o feijão e uma vasta gama de outros alimentos que se popularizou mundo à fora. Pesquisadores estimam que um grande percentual da floresta Amazônica não está posta da mesma forma como se originou. Grande parcela dessa magnífica floresta foi cultivada pelos índios pré-colombianos no decorrer de milhares de anos. A tão cobiçada floresta amazônica existe em uma parcela considerável, pela modificação humana gerada através das técnicas indígenas. Arrisco dizer que os índios conhecem a forma de preservar o meio ambiente melhor do que ninguém.
Diante de tal linha de raciocínio, um questionamento fica no ar: um dia do índio é o suficiente? Ainda bem que a disciplina de Heródoto (História) está aí para nos ajudar, como bem destacou um dos célebres historiadores do século XX: “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado”. Marc Bloch. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 65.
Autor: Professor Tiago de Oliveira da Silva.
Anônimo
4.5