Estimados formandos (*)
No dia 03 de setembro de 1989, portanto, um pouco mais de 30 atrás, o Brasil descobriu mais um outro de seus grandes heróis. Ajudando a pilotar um avião que se desviou praticamente ao contrário de sua rota, o fatídico voo 254, Marabá-Belém, o Co-Piloto Nilson de Souza Zille demonstrou uma invejável perícia em enfrentar, e ultrapassar uma situação de extremíssima gravidade.
Sem se deixar levar pelo grave erro – de direção da aeronave – informado pela VARIG e da arrogância e prepotência do seu Comandante, mesmo em plena desorientação inquietante do voo, sem contar a estressante ideia de estar sobrevoando um avião perdido no meio do nada, em plena escuridão da noite, sem nada ver pelas janelas da cabine, e no pavor da morte que o acompanhava por três lentas, desesperadas e cegas horas de voo, conseguiu liderar a realização de um pouso forçado, no escuro, no meio do nada, em densa e fechada mata, em qualquer lugar da extensa floresta amazônica.
E se as poltronas tivessem estado firmemente afixadas ao piso do avião e não tivesse demorado a localização dos acidentados – sequer sul ou norte, nem leste ou oeste sabiam onde se encontravam os acidentados, nem muito menos a força-tarefa que procurava o avião – talvez nenhuma das 12 mortes teriam acontecido, nem outros 17 com ferimentos graves e leves. Talvez até o próprio Comandante, o principal responsável pela tragédia, continuaria também a sair ileso.
E mais tarde, e pasmem!, o Co-piloto foi transformado em um criminoso, sendo condenado a 04 anos de prisão, em pena transformada na prestação de serviços à comunidade.
Contudo, algum tempo depois, e no lento esclarecimento dos fatos, obteve o reconhecimento público da epopeia, porque grande foi a contribuição na manutenção das vidas possíveis, na segurança da navegabilidade aérea de todos os demais futuros voos, além de se constituir em um paradigma na administração de violentas crises, pois alguém sobreviveu a uma perspectiva aterrorizante de morte certa, vivendo para contar a sua história, condição que gerou a publicação do livro ‘’Voo sem volta’’. E aqui, do alto deste atril, e do Rio Grande do Sul, à cidade de João Pessoa, onde atualmente reside ao lado de sua família, somos mais um a lhe oferecer o maior reconhecimento. Zille, você é meu herói! Zille, você é herói do Brasil!
A vida da gente é um voo sem volta, e voamos desde que nascemos segundo as bússolas que nos deram e um pouco depois, aquelas que escolhemos, orientando o norte de nossa trajetória. Mas como deveria se constituir este acontecer da trajetória ou o voo de nossas vidas, meus queridos, do momento do despertar de cada manhã, até um dia quando alcançaremos o aeroporto desejado?
O poema intitulado ‘’Se’’ ou ‘’If’’, do poeta britânico Rudyard Kipling em meados de 1900, retratava já naquela época a postura pró-ativa do nosso co-piloto, e que pode servir de exemplo ou referência para cada um de nós:
‘’Se és capaz de manter tua calma, quando todo mundo ao teu redor já a perdeu, e te culpa; de crer em ti, quando todos estão duvidando;
– Se és capaz de esperar sem te desesperares ou, quando enganado, não mentir ao mentiroso ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares, e não parecer bom demais, nem pretencioso;
– Se és capaz de pensar, sem fazer dos teus sonhos teus senhores;
– Se encontrando a desgraça e o triunfo, conseguires tratar da mesma forma estes dois impostores;
– Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas em armadilhas as verdades que disseste e, as coisas por que deste a vida, estraçalhadas, e refazê-las, com o bem pouco que te reste;
– Se és capaz de arriscar numa única parada tudo quanto ganhaste em toda a tua vida, e perder e, ao perder, sem nunca nada dizer, e resignado, tornar ao ponto de partida; de forçar coração, nervos, músculos, tudo, a dar seja o que for que neles ainda existe, e a persistir assim, exausto, contudo restando a vontade em ti, que ainda ordena: persiste!
– Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes, e entre reis, não perder naturalidade, e de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes;
– Se a todos, podes ser de alguma utilidade; e
– Se és capaz de dar, segundo por segundo, ao minuto fatal, todo valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo,
E o que, ainda é muito mais, tu serás um Homem, meu filho’’.
Caros formandos.
A mensagem que a São Marcos deixa, hoje, na despedida de nossa Instituição, é que o herói brasileiro, o Co-Piloto Nilson de Souza Zille, seja um dos grandes padrões de referência de vossa vida enquanto administradores.
Vão com Deus. E que Ele vos faça prosperar.
Luiz Pfluck, diretor e professor
(*) Discurso do Diretor na formatura do Curso de Administração da Faculdade Luterana São Marcos, de Alvorada, RS, no 15 de fevereiro de 2020
Anônimo
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