O tempo em que vivemos tem as suas características próprias, e uma delas, talvez uma das principais, é a interconectividade. Uns 50 anos atrás, já naquela época, McLuhan preconizava que o mundo seria uma aldeia global, quando hoje se percebe mais claramente a profecia: algumas causas oferecem consequências imediatas, e repercutem instantaneamente em qualquer parte do globo, quando a maioria das cidades (e a maioria das pessoas do globo vivem nas cidades) estão conectadas através da internet.
Os primeiros impactos mundiais deram início no ambiente do mercado financeiro, nas bolsas de valores, quando os comentários de queda ou de ascensão do valor das ações em poucas pessoas atingiam os resultados imediatos do impacto. Agora, neste último caso, da gripe Coronavírus, o caso tomou uma dimensão nunca dantes vista, de sorte que um grande país, a Itália, teve de cerrar as portas de todos os serviços não essenciais, sem falar da cidade de Wuhan, uma grande metrópole, cercada, ninguém entra, ninguém sai. E a questão principal entendemos não seja a doença em si, porque existem doenças que diariamente matam muito mais do que ela, mas a repercussão e as consequências negativas dela em todos os campos da sociedade mundial, sendo por isso o fato novo na realidade do século 21. Gripe suína, Sars, Influenza, H1N1 impactaram o mundo alguns anos atrás, quando o de agora, somado os embates do preço do barril de petróleo, está potencializando o caso.
Realizada esta rápida introdução, e para começar o assunto do título, e porque na crise também podemos aprender, nos propomos tecer algumas ideias sobre as vantagens desta doença, porque dela poderemos sair melhor, se logicamente desejarmos somar aprendizagem. E sem desmerecer o cuidado que se deve ter com a gripe, porque realmente toda e qualquer doença ou epidemia é preocupante, o foco aqui é aprender na dificuldade, mesmo porque na época em que vivemos se exige atitudes diferentes das anteriores, e que devem urgentemente ser aplicadas a fim de se minimizar perdas.
A primeira aprendizagem é para acrescentar mais outros cuidados com saúde individual. Lavar bem as mãos, colocar o antebraço no nariz e boca ao espirrar ou tossir e deixar de compartilhar objetos pessoais são ensinamentos antigos; contudo evitar aglomerações e manter os ambientes bem ventilados são orientações novas. Daí nos deparamos com a obrigatoriedade de instalar corrimões na escadaria e nas escadas rolantes, onde todos colocam as mãos; a maravilhosa energia elétrica, que possibilita o agradabilíssimo clima no inverno e no verão pela climatização do ar, o que selou do contato do ar externo, podendo ser uma sala de aula, um shopping, onde todos respiram o mesmo ar, potencializador de toda a origem de doenças pela aspiração do ar; o encantamento dos shows, espetáculos, feiras, exposições que atraem multidões, ao mesmo tempo que mesmo que, sem serem convidados, os bacilos da epidemia interagem e se multiplicam exponencialmente; no descanso dos feriados e feriadões, a aglomeração de pessoas dirigindo-se para o mesmo local, e na maioria das vezes, para a praia, e o perigo de caminhar pé descalço nas areias ou do mergulho nas águas ‘’próprias’’ para o banho. Conviver com as novas demandas, revendo urgentemente alguns conceitos e certezas que temos, sem deixar de se afastar do mundo, é o ensino que nos traz o Coronavírus.
O COVID-19 abriu, finalmente, o entendimento de que o mundo está dentro de nossas casas, não havendo como evitar a sua interferência, sequer realizar um retiro, porque o mundo globalizado nos invadiu. Neste caso, e de vez, surge a importância, e especialmente nas cidades, de deixar de se abrir, participar e receber tudo o que nos sobrevém, quando uma necessária seletividade se apresenta frente ao turbilhão de ofertas e condições deste mundo. Saber escolher entre tantas ofertas, para deixar de nos infectar com tantas situações que prejudicam o físico e paz interior, é uma das conclusões que se chega. Assim, participar de menos chats, menos grupos, menos televisão, computador e telefone celular, substituindo pelo cultivo das questões basilares do nosso ser, como por exemplo a religiosidade, a tranquilidade da leitura de bons livros, os grupos de interesse específico e o nosso lar, são possibilidades. Talvez, na grande cidade e por decorrência do Coronavírus, não seria o momento de resgatar aquela condição de outrora, onde as famílias estavam nos domingos ao entorno das igrejas e nos salões de baile, para ser re-conhecido o sentido do valor do calor humano? Quem sabe! Defendemos esta ideia porque cada vez mais frequentes serão as situações epidêmicas globais ou até regionais e não somente na área da saúde, podendo ser também na política, economia, na segurança e outras, como está acontecendo muito próximo de nós, na Venezuela. Para o mundo adulto, talvez seja pacífica a compreensão desta passagem, ao passo que para os jovens, a orientação possa ser compreendida como prisão, à comparação do mundo globalizado com que se relaciona. Neste sentido, e porque falamos de educação, entendemos que a aprendizagem seja essa, de redobrar o incentivo e os esforços de orientação, aconselhamento, compreensão para que a juventude deixe de estar envolvida e absorvida em questões que lhe possam prejudicar.
Existe, contudo, ainda mais uma questão a respeito desta última. Sendo que para cada ação existe uma reação, talvez esta epidemia seja a consequência de que, por estarmos em quarentena em nossas casas enclausuradas, e já faz muito tempo, não é sem motivo que uma crise um pouco mais forte derruba bolsas de valores, fecha cidade, maneia países. Se o mundo entra em nossas casas, através da televisão, computador e telefone celular, sem contar aqueles produtos que vem da China, da Índia, dos EUA, é talvez porque estivemos fechados, egoístas, sem devolver o que recebemos ou até deixando de interagir respirando ares desconhecidos da globalização, nos adaptando muito demoradamente aos novos desafios. Que estrago faz uma gripe, uma gripe, senhores!
‘’Tempos difíceis criam homens fortes; homens fortes criam tempos bons; tempos bons criam homens fracos; homens fracos criam tempos difíceis’’. Esta expressão, de autoria desconhecida, encontramos na ‘’globalizada’’ internet, e serve para o argumento deste parágrafo. A vida moderna, de tantas facilidades que existem (veja que uns 50 anos atrás sequer se pensava telefonar e falar em tempo real, com um aparelho na mão, para a Austrália; quem imaginava ter lâmpadas nos postes ligadas por toda uma extensa noite, consumindo muita energia elétrica) nos deixou acomodados, gordos nas nossas convicções, tipo ‘’tempos bons criam homens fracos’’, corroborada por Émerson, quando diz que ‘’Tenhas cuidado com os benefícios que existem em abundância em vossas mãos. Rapidamente se corrompem e se insinuam como vermes. Pagai-o depressa, de qualquer forma’’ (*). Ter consciência de que possamos estar acomodados, talvez estando a viver a melhor época da história, despreocupados, relaxados, criou as melhores condições da adversidade nos invadir, pela letargia assumida em nossas iniciativas. De ora em diante, e porque um dia a crise vai passar, que estejamos alertas assumindo uma nova postura para, quando as águas novamente se acalmarem, já lá estaremos em preparação para a futura crise que, nas profundezas, inicia a ser gestada.
Somos uma gota no oceano do mundo, e que podemos realizar para interferir positiva e individualmente para o bem maior quando somos apresentados à uma crise? Sabe-se que deixa de existir solução mágica para um problema maior, pois ele é um somatório de uma multidão de outras dificuldades e para cada uma delas, dever-se-á resolver cada demanda, razão do imenso desafio. Veja também que uma crise, na quase totalidade dos casos, é anunciada com muita antecedência, avisos não faltaram, sendo construída por variosíssimas diminutas situações acontecendo erradamente e o somatório delas, de incompletas à irresolvidas, resultou nela, e ‘’o leite está derramado’’. E agora, fazer o quê? Tanto para crises maiores, quanto para as menores, como aquela pequena crise familiar que acontece lá em casa, quando estraga a máquina de lavar roupa, entendemos que a aprendizagem deverá ser diferente daquela época quando se lutava para combatê-la ou se trabalhava para que deixasse que acontecesse: de comentada, discutida, questionada publicamente, desta vez deverá ser silenciosa, sem alarde, tentando remendar os cacos, para que a vida continue. Mas infelizmente não é o que parece acontecer atualmente, quando os megafones são sacados, as mídias utilizadas, os punhos em soco ao ar desferidos, passeatas conclamadas. Reclamar fica pior, encontrar culpados muito menos, e a experiência demonstra vastamente que os reclamões, aqueles que tanto reivindicaram ferozmente direitos ou insistiram ferrenhamente na total reparação da injustiça, hoje se encontram nos presídios centrais ou ainda, e a medicina comprova, acometidos de doenças. Crises vem, crises vão, e a vida continua para aquele que devendo conviver com ela, trabalha e apresenta resultados, sorrindo. E sem dúvida, no seu lugarzinho, estará interferindo positivamente no mundo. Pascal já dizia, o frio é para esquentar, o trabalho para sossegar.
E, por último, porque ultrapassamos 04 gripes nestes últimos anos e muitas aprendizagens tivemos, este última virá para reforçar o que aprendemos, de que com tranquilidade conviveremos com esta adversidade, sem histeria, pânico ou medos.
E para que os ensinamentos recebidos se transformem em aprendizagem, entendemos que o exato equilíbrio entre saber abrir-se para o mundo, dele recebendo mensagens e impressões, sem contudo se corromper, é a maior lição.
Que, pois, depois de aprendermos com ela, e dela sairmos, o Coronavírus nos dê muitas vantagens de nos preparar para a próxima epidemia, para vencê-la.
Luiz Pfluck, diretor e professor
(*) Emerson, Ralph Waldo. Ensaios. São Paulo: Martin Claret, 2005, pág. 92